Tuesday, December 8, 2009

Os médicos de Orkut


  A rede de relacionamentos predileta dos brasileiros tem seus próprios “profissionais” da área da saúde. Geralmente são curiosos que sofrem de alguma enfermidade por décadas e decidem dividir seu rol de bobagens e tratamentos inúteis - fruto de automedicação - pelas comunidades onde são vistos como sábios e intocáveis, propagando idiotices obtidas nos piores sites e na Wikipédia. Seria um novo tipo de curandeiro? Não, simplesmente porque não curam nada. São apenas doentes (mentais?) tentando dirimir suas frustrações ao obter o posto de mestre de alguma coisa – ainda que seja mestre em propagar asneiras.
  A segunda categoria são os que não conseguiram passar no vestibular de medicina e resolveram brincar de médico pelo Orkut. Algo meio fora da idade, mas que serve para alimentar a fantasia de ter uma profissão de prestígio. São enfermeiros, fisioterapeutas, técnicos em radiologia, farmacêuticos, homeopatas, veterinários, quiropraxistas, pregadores da medicina ortomolecular e toda a corja que critica o Ato Médico por não entender a importância do projeto. Aqui há também os que não são de nenhuma área da saúde, mas se julgam capazes de avaliar um enfermo pela internet e de criticar o tratamento que o médico deste prescreveu com base em exames.
  Os “psicólogos” de Orkut estão incluídos, sempre com frases otimistas e tolas, prontas e eficazes para todas as doenças. É como a pomada-do-peixe-elétrico-da-amazonas, vendida no centro de São Paulo por índios genéricos oriundos da Bolívia: serve pra tudo. Consolos como “existe gente pior do que nós”, “estou orando pela sua melhora”, “o importante é ser feliz” e outras de deixar Freud louco fazem parte do repertório dos psicólogos de Orkut.
  Um quarto grupo é composto por uma nova espécie de copy desk dos tempos modernos, com a diferença que ele não revê os textos (nem sabe escrever). Seu trabalho é copiar e colar links de reportagens sobre pesquisas médicas e anunciar: “a cura vem na próxima edição”.
  E pra completar as categorias, há a dos médicos de quinta, aqueles que mal conseguem pacientes para seus consultórios. É bem verdade que são formados e têm um número de CRM (obtido de modo duvidoso), mas eles quebram as normas dos Conselhos Regionais de Medicina (CRM) sobre diagnósticos e opiniões pela internet. O objetivo dos palpites eletrônicos é dar alguma atividade para suas secretárias caso algum membro da comunidade decida visitar seu local de trabalho.
  Tornam-se mascotes das comunidades, ficando logo abaixo dos enfermos velhos e indubitáveis na tarefa de recomendar prescrições, posologias e condutas. Geralmente distribuem telefones do consultório na esperança de deixar suas salas de espera mais cheias do que as de perícia de INSS. Tudo em vão, claro, pois após oferecerem seus préstimos gratuitamente e concordarem com as bobagens dos anciões doentes para conquistar a simpatia do ciberespaço, assinam e atestam o próprio fracasso.
  Os “médicos” do Orkut estão sempre prontos pra criticarem a conduta médica dentro dos consultórios, lembrarem que o diagnóstico da sobrinha da vizinha da avó deles estava errado e a matou, que remédios fazem mal (ou recomendar qual usam), dizerem que foram desenganados pelos profissionais de saúde e se salvaram sozinhos. Os membros das comunidades abandonam as consultas e passam a tirar suas dúvidas com o ‘oráculo’ do Orkut. E qualquer pessoa sã que indique seu médico ao colega ou cite seu tratamento, ouvirá um “o fulano da comunidade disse pra eu fazer desse jeito”.
  Bobagens como “me expus a um possível contágio e fiz o exame de HIV no dia seguinte, mas deu negativo”, declaradas por um biólogo, são comuns. A aberração está em ninguém se lembrar da janela imunológica – nem mesmo os médicos mascotes. Recomendações de hipervitaminose no lugar da medicação tradicional, fitoterápicos e homeopáticos são tidas como o ápice do conhecimento sobre saúde no Orkut.
  O Ato Médico pretende regulamentar a medicina e limitar alguns procedimentos apenas aos médicos, impedindo que qualquer profissional de branco (como açougueiro, macumbeiro, etc) exerça funções tipicamente médicas. O diagnóstico de doenças e a prescrição terapêutica são pontos cruciais do projeto. Só falta agora impedir o exercício médico ilegal virtual. Mais uma vez, digam SIM.

PARA VOTAR NO ATO MÉDICO
http://www.apm.org.br/regulamentacaodamedicina

PARA RIR: TOP FIVE DOS SITES IMBECIS
Para provar como a internet tem bobagens sobre saúde, fiz um top five. Garanto que dá próxima vez que pensar em procurar informação na internet, você marcará consulta com o médico primeiro. Só tome cuidado com quem vai escolher!

Quinto lugar:
http://www.ufo.com.br/index.php?arquivo=notComp.php&id=3900

A médica Mônica Medeiros utiliza-se de um currículo respeitável (formação na Unicamp e atuação junto ao Ministério da Saúde) para dar credibilidade a um novo grupo da "medicina integrativa" presente nas cirurgias: os extraterrestres. "Achei que fosse o Gasparzinho...". Ela montou até a Casa do Consolador, onde os ET's são vistos com frequência (só por ela, evidentemente).

Quarto lugar:
http://www.universal-tao.com/article/urine_therapy.html

Foi difícil eleger um site sobre simbiose corporal, já que são muitos. Escolhi esse artigo do Cohen Van Der Kroon porque ele explica o processo de cura das doenças. O autor também promove “congressos” internacionais desta técnica naturopata. Se ainda não caiu a ficha: sim, estou falando de urinoterapia.

Terceiro lugar:
http://candidiasetemcura.com/

O site vende um livro que serviria para curar candidíase, tudo de modo “holístico” (palavra bonita, não?). Mas fica difícil falar em cura definitiva de um fungo parasita da espécie humana. Talvez o método nos transforme em E.T’s!

Segundo lugar:
http://www.curenaturalicancro.com/

Um médico de quinta descobriu a cura do câncer através do... bicarbonato de sódio. Sabe aquele pacotinho Hikari no banheiro de casa, que você usa quando tem sapinho? Pois ele cura o câncer! Baseado em quê? De acordo com o italiano Tullio Simoncini, o câncer é causado por candida albicans, o fungo parasita que todo ser humano tem - será que o método do livro do link acima curaria câncer também?

Primeiríssimo lugar:
http://www.culturabrasil.pro.br/hiv.htm

Um médico de quinta categoria ficou com o trofeu dos sites médicos – pelo menos aqui ele é o melhor... em dizer asneiras. Ele alega que HIV não causa AIDS, mas sim, a promiscuidade que os portadores de HIV têm ao se descobrirem com o vírus. Ele “argumenta” a teoria relacionando a prevalência inicial que a doença teve entre homossexuais, mas não tem coragem de ser politicamente incorreto. Prefere dizer: “pacientes que tem 20 relações anais passivas por dia”. Com direito a PT, vírus atravessando látex (o papa já havia dito isso) e vegetarianismo como forma de impedir a imunodeficiência. Tudo no ânus do “dr.” Lino Guedes Pires. Muito bom!

10 dicas para uma consulta médica...

01 - Comece a consulta reclamando da demora, mesmo que tenha sido atendido rapidamente. Depois, diga ao médico que ele é o terceiro que você procura pelo mesmo motivo, e que quer mais uma opinião, pois não confia muito em médico. Diga também aquela frase clásica: "Cada médico fala uma coisa!"

02 - Nunca responda diretamente às perguntas. Se ele perguntar se você teve febre, diga que teve tosse. Conte tudo detalhadamente, começando, se possivel, desde quando você ainda era criança ...



03 - Leve sempre 3 crianças com você (nem precisam ser seus filhos), especialmente aquelas que mexem em tudo, sobem nos móveis e ficam fazendo perguntas no meio da consulta. Combine, previamente, com uma delas, para quebrar o termômetro dele.

04 - Peça receita de um medicamento controlado. Diga que não é para você, mas para uma vizinha muito amiga sua. Não esqueça de dizer que ela toma esses remédios há anos e que não fica sem ele, e que você quer retribuir um favor a ela.

05 - Quando o médico estiver se despedindo de você, já na sala de espera, diga bem alto, para os outros ouvirem também: "Vamos ver se agora o senhor acerta!"

06 - No retorno da consulta, inicie com: "Estou pior que antes". Aproveite para incluir, no relato, novas queixas. Diga que você passou por um farmacêutico, muito antigo e muito conceituado no bairro que a sua tia mora, e ele resolveu trocar os remédios.

07 - Insista para que o médico tente descobrir a causa daquela cólica que você teve há seis meses, e que desapareceu misteriosamente. Insista em contar os sintomas com riqueza de detalhes.

08 - Traga os exames solicitados por médicos de outras especialidades. Se ele for clínico geral, consiga um eletroencefalograma para ele dar o laudo. Pergunte se ele faria o favor de ver a mamografia da sua vizinha (outra).

09 - Descubra onde seu médico dá plantão à noite, e só passe a procurá-lo lá. Dê preferência a hospitais públicos, onde ele não ganha por ficha de cliente.

10 - No final da consulta, pergunte se ele não faria o favor de dar um atestado, pois você não "teve condições de trabalhar hoje", ou, então, diga que você tinha que resolver uns probleminhas pessoais e não deu pra ir trabalhar.

Monday, July 13, 2009

Meus órgãos estão à venda

Por Walter Williams, economista da Universidade George Mason, nos Eua.

De acordo com o livro The U.S. Organ Procurement System, escrito pelos economistas David Kaserman e A. H. Barnett, existem 80.000 americanos na lista de espera para o transplante de um órgão. Vinte deles morrem a cada dia como resultado direto da falta de órgãos. Por ano, esse número passa de 7 mil. Essas mortes não se devem somente à ação divina, mas também do Congresso americano, porque uma lei de 1984 proibiu a comercialização de órgãos. Fazer com que o sistema seja baseado em doações voluntárias tem sido um grande fracasso político. Vale lembrar que, atualmente, médicos, enfermeiras e tranportadores são muito bem recompensados num tranplante.
Como deveria funcionar o mercado de tranplante de órgãos? Lloyd Cohen, professor de direito da Universidade George Mason, defende que as pessoas possam fazer um contrato em vida expressando sua vontade quanto à venda de seus órgãos após a morte. O dinheiro ganho com a transação se tornaria parte do espólio. Muitas pessoas argumentam que órgãos e tecidos do corpo humano se tornariam vis mercadorias. Mas isso é um pouco incoerente pois existe mercado para sangue humano, sêmen e cabelo.
Quantas coisas vitais dependem do altruísmo ou de doações voluntárias? Alimentação é vital, água é vital, assim como roupas e moradia. Não dependemos do altruísmo nem de doações voluntárias para o provimento desses bens. (Se fosse assim, existiria uma grande carência). Então por que depender do altruísmo e de doações voluntárias para suprir o que pode ser, um dia, mais urgente que comida, água, roupas, ou moradia? As objeções à comercialização de órgãos sofrem de falta de bom senso, ignorância e até mesmo arrogância. Vejamos alguns desses argumentos.
Uma preocupação é que se os órgãos forem vendidos em vez de serem doados, pessoas pobres não poderão pagar por eles. (Existe uma diferença entre métodos de captação e distribuição de órgãos.) Por exemplo, pessoas pobres precisam de comida, mas o governo não ordena que a comida seja de graça para os pobres. Caso ordenasse, existiria uma imensa escassez e, ainda assim, os pobres passariam fome. Em vez disso, deixa-se os mecanismos do mercado se encarregarem do suprimento de alimentos e subsidia-se a compra, através de programas como "food stamps"("vales para comida"). O mesmo princípio pode ser aplicado ao transplante de órgãos: deixar o mercado se encarregar do suprimento de órgãos e, caso seja necessário, usar subsídios ou caridade para tal distribuição.
Mas os órgãos não seriam caros demais? Kaserman, Barnett e outros economistas estimam que a escassez dos órgãos poderia ser resolvida com preços que vão de 1.000 a 3.000 dólares por doador. E na medida em que o mercado for eliminando a escassez de órgãos, os custos médicos também se reduziriam. Por exemplo, uma diálise renal custa em média 44 mil dólares por ano. O custo de um transplante de rim mais os serviços médicos durante o primeiro ano é de aproximadamente 90 mil dólares. Depois do primeiro ano, os tratamentos médicos, em sua maior parte relacionados às drogas de imunosupressão que previnem a rejeição, custam 16 mil dólares. Isso significa que, depois de aproximadamente dois anos e meio, os transplantes economizam 27 mil dólares por ano do sistema de saúde quando comparados à diálise de longo prazo.
Outra preocupação é que se houver um mercado de órgãos, a população pobre venderá seus órgãos e adoecerá. Até agora, as propostas feitas prevêem pagamentos monetários apenas para órgãos de cadáveres. Mas, de um ponto de vista estritamente ético, as pessoas devem poder dispor de seus órgãos por qualquer motivo que lhes parecer razoável. Por quê? Bem, se acreditamos que as pessoas possuem o direito de propriedade de si mesmas, ou seja, são donas da própria vida e do próprio corpo, elas devem ter o direito de dispor de seu próprio corpo da maneira que desejarem, desde que não violem os direitos de propriedade dos outros. Se eu precisasse de um rim, eu preferiria que alguém que não estivesse disposto a me dar pudesse me vender, do que continuar sem o rim.
Algumas pessoas alegam que um mercado de transplante de órgãos levará a assassinatos e à venda dos órgãos das vítimas para corretores de órgãos sem escrúpulos. Mas, primeiramente, o crime de homicídio permanecerá ilegal e punível. Além disso, quando a venda de determinado produto é criminalizada, é mais provável que ela seja acompanhada de outras atividades ilegais e de uma desordem social concomitante. Durante a Lei Seca nos Estados Unidos havia muito mais atividades criminosas associadas à manufatura, distribuição e consumo de álcool do que há hoje em dia. Na medida em que a proibição da venda de órgãos reduz a oferta, se não houver alteração de nenhum outro fator, há um maior incentivo para atividades ilegais que envolvam o transplantes de órgãos, incluindo assassinatos.
A profissão médica tradicionalmente se opõe à venda de órgãos. Sua oposição parece violar a admoestação de Hipócrates: primum non nocere (primeiro não prejudicar). Mas a profissão recentemente deu alguns passos, ainda que tímidos, para acabar com as mortes cotidianas causadas pela falta de órgãos, apoiando processos que permitem o pagamento para as famílias dos doadores a fim de desencorajar a escassez de órgãos.

Tuesday, June 9, 2009

O blog incômodo



Quando os jornalistas desejam censurar a informação





Mais polêmica do que a CPI da Petrobrás, só mesmo o blog que a assessoria de imprensa da empresa decidiu criar este mês para publicar as respostas enviadas aos veículos de comunicação. Quem não entende como funciona o embate entre assessores e jornalistas - e entre comunicadores e os donos dos jornais - pode não compreender como um simples site causaria tanta rivalidade.

Para ser esclarecedora e breve ao mesmo tempo, podemos resumir assim: os jornalistas enviam suas perguntas (tendenciosas ou não) para a empresa ou pessoa que desejam entrevistar e aguardam a resposta do assessor, responsável por resguardar a imagem do cliente. Quando chega a resposta, a matéria já está escrita. O jornalista encaixa as explicações do "o outro lado", editadas e quase no final do texto, da forma que melhor interessar ao ponto de vista do jornal - o chamado "enfoque".

Diante do bombardeio de acusações que a Petrobrás vem sofrendo pela grande imprensa, ela decidiu contratar a assessoria da Companhia de Notícias (CDN) que, de modo espetacular e inovador, criou um blog para publicar as perguntas que os jornalistas enviam, na íntegra, e a resposta que a empresa repassa, também em sua totalidade (e que nunca é lida nos jornais).

A reação foi imediata: A Petrobrás foi acusada de romper a boa relação com a imprensa, de prejudicar a ética existente entre comunicadores e de tentar intimidar os jornalistas. A Associação Nacional dos Jornais (ANJ), A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo e os jornais, como A Folha de S. Paulo e O Globo, declararam "guerra" ao blog. Mas o veículo carioca já errou em uma matéria sobre a equipe contratada pela Petrobrás. O Globo publicou que a empresa havia contratado 1150 funcionários, quando os números reais são 11 jornalistas. E os dados foram repercutidos na Folha de S. Paulo. Essas imprecisões reforçam a insegurança sobre aquilo que a mídia publica, e valoriza mais ainda o blog como ferramenta de um pluralismo de ideias e informação.

O que mais irrita os editores, jornalistas e donos de veículos é a diferença entre o que é informado nas matérias e no blog. Fica claro que há um ruído na comunicação, um desentendimento entre assessores e jornalistas e distorções em um dos lados (ou ambos). A imprensa deseja retirar o blog do ar, alegando que ele é intimidatório à verdadeira liberdade de imprensa. Na verdade, o desejo é manter a censura da informação, que hoje está nas mãos dos jornalistas. A possibilidade de perder o direito de editar os dados, já que existe um blog publicando tudo na íntegra para comparação pelo leitor, e consequentemente o abalo à credibilidade dos jornais que insistirem em maquiar suas matérias, é o que realmente está incomodando.

E enquanto a história toma mais espaço nos jornais do que a própria crise da Petrobrás, o público fica no aguardo das notícias relevantes. Talvez o objetivo do blog seja esse - o que não tira seu mérito de genialidade como estratégia de assessoria. Entretanto, apesar da revolta dos colegas de profissão, considero o blog um marco no jornalismo brasileiro e na democracia da informação. Que venham mais!

FONTES:

Sunday, March 29, 2009

Qual a medida da punição?


Um quase sequestro ou um quase assalto. A nova modalidade de crime (nem tão recente assim) fez com que o casal formado por Sérgio Faria Lemos da Fonseca Júnior, 62, e Adriana Maria Machado, 57, pagasse uma conta de cigarros, uísques, produtos importados e chocolates no valor de R$ 1,8 mil. Seria trágico, não fôsse cômico. Um dos três assaltantes tinha 14 anos (e certamente é chocólatra). As vítimas sequer foram agredidas. O mais triste na história, na verdade, foi sua repercussão. O plenário do Senado aprovou no último dia 24 um projeto que tipifica o tal assalto de chocolates como crime hediondo, punível com 6 a 30 anos de prisão. Nem se fosse o premiado chocolate de Willy Wonka ou uma tonelada de Pierre Marcolini. Sem querer debochar dos assaltados, mas é preciso mais coerência no código penal. Não podemos, no calor do momento, aumentar de modo desmedido a pena de certos crimes só para aparentar justiça, apelando ainda para a comoção popular nos veículos de comunicação. Que triste pagar a compra dos ladrões... mas para mim, é o equivalente a roubo e assalto. A pena máxima do sequestro relâmpago será para casos em que houver morte da vítima, com pena entre 24 a 30 anos. É maior do que para homicídio qualificado, que tem pena mínima de 12, e máxima de 30 anos; e o dobro do que para homicídio simples. Felizmente, especialistas da área do direito criminal concordam comigo e pressionam o presidente Lula para que ele não sancione tal projeto sem cabimento. A "ilustre" proposta, do senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), deseja tornar o assalto dos chocolates mais grave do que matar, estuprar (6 a 12 anos), roubar (4 a 10 anos), cometer cárcere privado a outrem (1 a 3 anos), traficar mulheres para outros países (3 a 8 anos), traficar drogas (5 a 15 anos) e, até mesmo, sequestrar (8 a 20 anos). Oras, dava tempo então para comprar mais chocolates, passando das 24 horas que caracterizam um sequestro não-relâmpago. De acordo com o senador, a vítima sofre um trauma irreparável. Talvez ele acredite, realmente, que o trauma é maior do que ser vítima de estupro, de tráfico humano, de sequestro violento, de tráfico de drogas ou perder um ente querido. Chocolatezinho caro!

Fonte: Conjur

http://www.conjur.com.br/2009-mar-28/especialistas-pedem-veto-projeto-trata-sequestro-relampago

Monday, March 16, 2009

O falso mito do dom

A maioria das pessoas acredita que profissões do campo artístico e esportivo requerem um talento especial, uma espécie de bênção divina que torna alguns seres superiores aos meros humanos comuns. Eles são encarados pela sociedade como portadores de características extraordinárias desde o seu nascimento, como se tal indivíduo fosse feito pra arte ou para o esporte. É o que chamamos de “dom”. O dom seria, para quem nele crê, algo mágico que faz com que o músico simplesmente toque o instrumento sem treino ou dedicação. Essa crença é uma herança que vem do romantismo. Os artistas românticos acreditavam realmente que alguém fosse capaz de pegar um pincel e “se descobrir pintor” na primeira tela, sem nenhum conhecimento de desenho ou pintura. Ou ainda que alguém pegasse a caneta e as palavras surgissem de forma sublime e inexplicável. Essa corrente de pensamento influenciou nossos costumes e crenças, tendo como origem a mentalidade cristã, e o mito de dom tornou-se uma verdade absoluta, que só serve pra desanimar milhares de aspirantes a músico, inconformados ao não dominar o instrumento pretendido na primeira aula. A ciência na área do aprendizado nunca afirmou a existência de dom. O que as pesquisas mais recentes descobriram é que existem diferentes tipos de inteligência, como por exemplo, a inteligência emocional. Antigamente, apenas o indivíduo capaz de lidar com a linguagem das ciências exatas era considerado inteligente. Ainda bem que essa baboseira caiu por terra, e hoje a ciência reconhece a facilidade em lidar com qualquer tipo de linguagem como uma inteligência. É aqui que está a palavra chave: linguagem musical. Essa facilidade em aprender um instrumento, mas ser um fracasso no esporte, é ainda intrigante para a ciência. Uma vez que o QI – aquela inteligência de raciocínio lógico – foi comprovada como sendo genética há muito tempo, os cientistas teriam tudo para afirmar que qualquer inteligência é genética. Como se explicaria, então, que dois irmãos possuam talentos completamente distintos?Aqui entra outro fator determinante, que é o interesse pela coisa. O que nos faz comprar um instrumento musical e gostar de hamburguer ao invés de brócolis é entendido como influência do meio social. Daí se explicam filhos de músicos que se tornam músicos. Mas voltando ao caso dos irmãos, os gêmeos com gostos e personalidades distintas são um belo exemplo de como o meio é determinante. Cada um receberá influências peculiares, e por isso tornam-se diferentes mesmo geneticamente iguais. Por isso, músicos que crescem no meio musical adquirem a linguagem desde cedo e apresentam facilidades no aprendizado. Mas isso não é motivo pra ninguém desistir. Com certeza você viu alguém tocando antes de decidir aprender a tocar. E você deve checar a qualidade dessas influências independente do tipo de som que aprecie. Sim, porque bons músicos ouvem boa música. Aprendemos através da imitação desde criança: os movimentos dos adultos para aprender a andar, o modo de comer, a fala, a educação etc. E também adquirimos a linguagem daquilo que ouvimos. Ninguém se torna bom escritor lendo Sidney Sheldon a vida toda. Pense nisso. Se você já tem mais interesse por música do que pelo esporte ou exatas, é bem provável que compreenda melhor a linguagem musical. Até porque ninguém gosta de algo que julga difícil. O que não deve ser confundido é a facilidade com a linguagem musical com ausência da necessidade de estudos e dedicação. Muita gente desanima aqui: acredita que “ter o dom” significa tocar sem aprendizado. Esse sujeito, que compra um instrumento na tentativa de saber se “tem o dom”, nunca vira músico. Ele desiste ao esbarrar na realidade de que, assim como escrever bem requer todo o conhecimento gramatical de uma linguagem, tocar um instrumento implica em horas e horas de estudo. Ele descobre que mesmo gostando de ouvir música a vida toda, isso não o tornou instrumentista, e que é preciso muito mais do que apenas gostar de ouvir música. O músico precisa gostar de estudar seu instrumento acima de tudo.
Acredite: essas lendas de caras que sentam e tocam são usadas apenas com o intuito de desanimar você. Quem não acompanha o dia a dia de um músico não sabe quantas horas de estudo foram dedicadas, e acredita quando alguém diz que “nem treina direito”. Infelizmente, muitos músicos acham feio dizer que treinam, que tem professores e que são estudiosos. Eles desvalorizam seus mestres e reforçam o mito da ausência de estudos. Geralmente são inseguros e gostam de parecer que “tem uma espécie de dom excepcional” que o faz superior aos demais. Conheço muitos que estudaram e depois se intitulam autodidatas. É triste admitir, mas o artista está no grupo mais presunçoso e arrogante da sociedade. O mestre deveria ser valorizado, mas não é o que ocorre. A verdade é que você toca o quanto você estuda. Talvez seja por isso que somos tão admirados como sendo especiais, já que uma pequena minoria consegue se dedicar pra valer à música. Quem não tem paciência desanima dos exercícios e da técnica. Mas lembre-se que ninguém vira jogador de futebol jogando preguiçosamente apenas aos domingos, e sem nenhuma disciplina. Os esportistas também seguem uma rotina de estudos – muitas vezes cansativos – mas que os auxiliam a desenvolver a coordenação motora exigida naquele esporte. E aqui não se trata apenas de quantidade, mas da qualidade do treino. Aquelas dicas que você já está careca de saber, como ter um metrônomo, um pad de estudos, procurar um bom professor, estudar os seus pontos fracos etc. Por falar em coordenação motora, vamos derrubar outro mito. A bateria exige coordenação motora específica, própria da sua linguagem. Por isso, mesmo que você tenha coordenação em malabarismos de circo, isso não implica pular etapas nos estudos. Muitas vezes um aluno que já possui uma coordenação mais apurada – porque já exerceu atividades como esportes, por exemplo – é encarado como mais talentoso. Isso não é verdade e você não deve desanimar quando alguém lhe disser que, o exercício que você demorou 5 dias ele pegou em meia hora.
As diferenças de coordenação entre pessoas que nunca estudaram bateria são mínimas e não devem ser encaradas como obstáculos negativos. Muitas vezes, o que faz um músico ou atleta acertar o exercício pretendido mais rápido que outra pessoa é a concentração. A concentração é fundamental na forma como você estuda. Reserve um espaço confortável, iluminado, limpo, sem elementos de distração. Estudar 5 minutos e parar 10 para ir ao banheiro, depois beber água, voltar a estudar mais 5 minutos e parar pra atender ao telefone é uma péssima forma de estudo. Proponha estudar pelo menos uma hora seguida, e não deixe que nada o distraia. Se você é autodidata, provavelmente não teve orientações sobre o quê, quanto e como estudar. Um baterista que fez um ano de aula de forma dedicada toca melhor do que quem desperdiçou anos naquela bandinha de rock de sempre. Conheço bateristas que tocam as mesmas coisas há dez anos. Evoluíram muito nos primeiros anos (quando estudaram) e depois julgaram que já era suficiente pra tocar o que queriam. Pensar assim é um erro enorme, mas muito comum. Entretanto, isso não significa falta de talento. Eu já passei por isso e sei como é: você passa horas tocando músicas e exercícios de forma aleatória e não entende porque não evolui. Quem começa sem orientação demora pra perceber a importância da técnica e cai no desânimo. Quer um exemplo olímpico? Guga tem sido um fiasco absoluto, porque quem chega no auge acredita que seu tempo de aprender acabou, e pára de treinar com tanto empenho. Logo, uma legião de admiradores passa a jogar melhor que ele. É outra regra: um músico ou atleta nunca deve parar de treinar.
Organizar seus estudos é o próximo passo. Suas aulas escolares tinham um cronograma lógico, e você não aprendeu logaritmos antes da tabuada e operações fundamentais. Portanto, não atropele querendo aprender jazz se você não dominou os conceitos do rock, ou ainda dominar solos fenomenais sem saber aplicar os rudimentos. Os resultados de estudar técnica não demoram pra aparecer. E acredite: sua resistência em dedicar-se aos exercícios diminuirá na medida que você evoluir e perceber a relevância da rotina de estudos. Quem usa a desculpa do dom pra justificar preguiça ou falta de paciência em aprender não leva adiante. Somente quem se dedica com afinco está apto a ser músico. E essa que é a graça e a beleza de ser músico.

Sunday, February 8, 2009

Ecologia social

As roupas, em tons de marrom, combinavam perfeitamente com o cinto e os sapatos novos e lustrados. O traje era social. A postura, discreta, alinhada, concisa. Com boa educação vestiu as luvas que, todavia, não combinavam com o vestuário de trabalhador elegante. Eram amarelas e grosseiras. Luvas de látex, que protegeram as mãos do envergonhado homem que procurava latas de alumínio nas lixeiras da estação da Sé de metrô. Uma sacolinha de supermercado amarrotada acomodou a terceira lata do dia já desgastado por outro trabalho onde as luvas não serviam. Aquela peça amarela era a última barreira para uma nova situação social.
Dizem que o Brasil é campeão mundial de reciclagem. De acordo com a Associação Brasileira do Alumínio (Abal), reaproveitamos 96,5% da sucata. Foi notícia no Terra que a compra de latas usadas injeta cerca de R$ 523 milhões anualmente na economia, gerando emprego e renda para 180 mil pessoas. Tais como nosso anônimo de marrom, que se apinhava no metrô com suas sacolas de lixo às 19 horas para chegar em casa com alguns centavos a mais.
Para a Abal, um dos motivos do recorde é o engajamento da classe média na questão. Nosso catador do metrô faz parte desse grupo empenhado na questão da sustentabilidade. Nos dias de hoje, ficou muito difícil sustentar-se com apenas um emprego.
Também já é quase impossível beber um refrigerante sem ser interrompido por alguém interessado na lata. "Tá vazia, moça?", escuto de mulheres, mães, senhoras, crianças, jovens e trabalhadores de traje social preocupados em ganhar mais uma moeda.
Desconheço, porém, quem fez fortuna com latas. Em média, um catador dedicado (não nosso trabalhador do metrô) ganha um salário mínimo mensal. Na verdade, somos é campeão em pobreza.

Wednesday, February 4, 2009

Coisas que só tem no Orkut

Nem sempre nos damos conta da imensa coleção de raridades que habitam a rede de relacionamentos mais querida pelos brasileiros. Na verdade, não tinha notado isso até fazer meu TCC sobre o Orkut e o uso da rede para apuração jornalística. O site possui uma realidade própria, como um planeta social em que as leis ou coerências que conhecemos perdem o sentido. Serve até de estudo para antropólogos curiosos. Abaixo, algumas pérolas desse estranho universo:

Só no Orkut tem...
... Nerd com loira gostosa na lista de amigos
... Medicamentos proibidos e drogas ilícitas com valor abaixo do "mercado" (com entrega)
... Negro nazista
... Malufista assumido
... Bigamia - ou poligamia - nacional
... Comunista que nunca leu Marx
... Muçulmanas feministas (de hijab)
... Cornos declarados
... "Grande" número de ateus
... Aquele primo de terceiro grau que você só vê em enterros te tratando com intimidade
... Homem carente procurando namorada em comunidade de garota de programa
... Predominância de poliglotas (sem domínio, claro, do português)
... Crentes feministas
... Criancinhas procurando pedófilos
... Depoimentos de crimes por livre e espontânea vontade
... Quase 80 mil amantes de cinema europeu
... Maioria declaradamente fiel - apesar da bigamia - entre outras virtudes raras
... Classe D e E na inclusão digital (ou apenas orkutal?)
... "Orkontros": uma nova modalidade bizarra de fazer amigos
... Gente que já foi pra Lua e nem esteve na Nasa
... Liberdade de propaganda política em época eleitoral
... Brasileiros dominando e sendo maioria no mundo todo