Sunday, February 8, 2009

Ecologia social

As roupas, em tons de marrom, combinavam perfeitamente com o cinto e os sapatos novos e lustrados. O traje era social. A postura, discreta, alinhada, concisa. Com boa educação vestiu as luvas que, todavia, não combinavam com o vestuário de trabalhador elegante. Eram amarelas e grosseiras. Luvas de látex, que protegeram as mãos do envergonhado homem que procurava latas de alumínio nas lixeiras da estação da Sé de metrô. Uma sacolinha de supermercado amarrotada acomodou a terceira lata do dia já desgastado por outro trabalho onde as luvas não serviam. Aquela peça amarela era a última barreira para uma nova situação social.
Dizem que o Brasil é campeão mundial de reciclagem. De acordo com a Associação Brasileira do Alumínio (Abal), reaproveitamos 96,5% da sucata. Foi notícia no Terra que a compra de latas usadas injeta cerca de R$ 523 milhões anualmente na economia, gerando emprego e renda para 180 mil pessoas. Tais como nosso anônimo de marrom, que se apinhava no metrô com suas sacolas de lixo às 19 horas para chegar em casa com alguns centavos a mais.
Para a Abal, um dos motivos do recorde é o engajamento da classe média na questão. Nosso catador do metrô faz parte desse grupo empenhado na questão da sustentabilidade. Nos dias de hoje, ficou muito difícil sustentar-se com apenas um emprego.
Também já é quase impossível beber um refrigerante sem ser interrompido por alguém interessado na lata. "Tá vazia, moça?", escuto de mulheres, mães, senhoras, crianças, jovens e trabalhadores de traje social preocupados em ganhar mais uma moeda.
Desconheço, porém, quem fez fortuna com latas. Em média, um catador dedicado (não nosso trabalhador do metrô) ganha um salário mínimo mensal. Na verdade, somos é campeão em pobreza.

1 comment:

Nerval Filho said...

como assim desconhece quem fez fortuna com as latinhas?!

as fábricas, ué?! ou você acha que a reciclagem não é lucrativa pra eles?!

só pela motivação do ecologicamente correto eles não reciclariam. :)